É hora de reavaliar o lugar do Brasil no design

Editor da ‘Architectural Record’ analisa a Bienal na série sobre caminhos da arquitetura

por CLIFFORD PEARSON – Especial para o Estado de São Paulo

É hora de o mundo da arquitetura prestar um pouco mais de atenção ao Brasil. Já faz algum tempo que o maior país da América Latina mal aparece nas telas dos radares dos profissionais de arquitetura e design plugados no cenário internacional. Seria por causa dos problemas econômicos, políticos e sociais dos anos 70 e 80, aliados à impressão de que o Brasil era um país sem muito a oferecer ao resto do mundo?

Agora, com o céu clareando, parece que os astros estão se alinhando de modo muito favorável a uma reavaliação do lugar do Brasil no firmamento do design. Nos Estados Unidos e na Europa, o modernismo de meados do século está em alta entre jovens colecionadores mais descolados que compram cadeiras Eames; editoras que lançam novos volumes luxuosos sobre as casas de Palm Springs dos anos 50; e historiadores, que começam a apreciar de uma nova maneira a obra de arquitetos como John Lautner, Albert Frey e Ralph Rapson, que ganharam reputação na década de 50. Foi nessa época também que o Brasil causou sensação na imprensa internacional especializada em design por seus célebres designers, como Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e Roberto Burle Marx, e também pela construção de uma nova capital radicalmente moderna.

O quadragésimo aniversário de Brasília, em 2001, fará com que muitos olhos se voltem novamente para o país que transformou em realidade a visão corbusiana do futuro. A 4ª Bienal Internacional de Arquitetura mostra, com muita competência, por que o Brasil é importante. A visão retrospectiva e de futuro que ela nos oferece lança uma ponte entre o período de amadurecimento da arquitetura brasileira e os dias de hoje.

Em primeiro lugar, temos as belíssimas fotos em preto-e-branco da famosa mostra Brazil Builds, exposta pelo Museu de Arte Moderna de Nova York em 1943. As fotos, no primeiro pavimento da Bienal, captam a idéia de otimismo ousado que varreu o Brasil há quatro ou cinco décadas. Embora a crença de então na capacidade do design moderno de modelar um futuro melhor nos pareça ingênua hoje, fica o lembrete da força que tem a visão arquitetônica radical até mesmo em um país tão vasto e heterogêneo quanto o Brasil.

Novos caminhos – A mostra dos trabalhos de Paulo Mendes da Rocha, João Filgueiras Lima (Lelé) e outros arquitetos importantes de décadas passadas é prova de que o legado deixado pelo modernismo brasileiro sempre se renovou e deu margem a novas interpretações desde os anos 50. Paulo Mendes da Rocha e Lelé, especialmente, são elos vivos da arquitetura que floresceu na década de 1950. Em anos recentes, a obra desses dois grandes arquitetos se tornou mais sensual, e até mais lírica, sem perder nada de sua expressão mais robusta. Exemplos concretos disso são os centros de saúde de telhados ondulados de Lelé, na Bahia, e os projetos de Rocha para o aquário de Caraguatatuba, cujo telhado deverá ser do tipo móvel, permitindo sua abertura e fechamento.

A parte mais interessante da Bienal para um jornalista americano, como eu, é a mostra de trabalhos da nova safra de designers latino-americanos no segundo pavimento. O que vi foi uma geração de arquitetos explorando novos caminhos e absorvendo um novo conjunto de influências internacionais. Quase todas essas abordagens, no entanto, trazem em seu bojo um profundo enraizamento no modernismo. As tendências historicizantes do design pós-moderno, tão populares nos Estados Unidos nos anos 80, estão completamente ausentes aqui. Projetos como a Residência Aflalo, de Marcelo Aflalo; o Espaço Cultural de Tupã, de Valentim César Bigeschi; a Casa Cor 99 Espaço Deca, de Brunete Fraccaroli; e o interior de uma loja da Audi, de Marcio Gifford, revelam o modo pelo qual esses designers estão explorando novas formas de expressão para materiais modernos como o aço, o concreto e o vidro. Ao mesmo tempo, o edifício da CEL-LEP em Alphaville, de Marcelo Barbosa e Jupira Corbucci, a Clínica de Psicanálise de Orlândia, de Ângelo Bucci, da MMBB, e a biblioteca pública de Pinheiros, de José Oswaldo Vilela, demonstram a perícia com que os arquitetos brasileiros manipulam o repertório modernista e criam, baseados nele, ambientes elegantes para o trabalho e para o estudo.

À medida que a atual geração for se firmando ao longo dos próximos dez anos, creio que a contratação de arquitetos no Brasil vai passar por um processo de democratização. Os projetos dos principais edifícios públicos não ficarão mais nas mãos de uma ou duas superestrelas; tampouco a atenção será totalmente monopolizada por elas. Acredito que haverá um tipo de revolução cultural que possibilitará o desabrochar de milhares de flores e fará ecoar uma infinidade de vozes. Esse será o atestado de saúde da arquitetura brasileira. (Tradução de A.G. Mendes)

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